11 de dez. de 2008

O CASO PESCA E SURF (2)

Na sequência programada aqui no Top Wings para este importante assunto, o primeiro capítulo do trabalho do Ingo Kuerten (ingokuerten@gmail.com - telefone 51 3386-2253) sobre o conflito entre pescadores e surfistas do RS (onde já ocorreram diversas mortes de surfistas presos em redes de pesca). O trabalho do Ingo é um trabalho científico. Aborda o assunto considerando vários aspectos históricos, geográficos, culturais, etc. Em alguns capítulos, esta abordagem mais científica pode não ser tão clara ou interessante, porém fazem parte do contexto e são importantes para o entendimento de todo o assunto. No Capítulo 1, que será publicado a seguir (Cap. 1, 1.1 e 1.2), considerações sobre Zona Costeira.

1 INTRODUÇÃO A ocupação dos ambientes costeiros no Rio Grande do Sul teve seu início entre o final do século XIX e início do século XX, após a difusão das propriedades terapêuticas do banho de mar, hábito que virou moda na Europa daquele tempo e posteriormente adotado pelos demais povos ao redor do mundo. Anterior a isso, a ocupação da costa servia apenas como entreporto marítimo para escoação de produtos. (ANGULO, 2004). Desde então todos os tipos de costa vem sendo desenfreadamente ocupados, desde costões rochosos até ilhas em meio aos oceanos (como Havaí, e ilhas da Polinésia Francesa). Estima-se que aproximadamente 80% das atividades humanas sejam concentradas na Zona Costeira (ZC) neste século. Segundo Gruber et al (2003): “A Zona Costeira (área de interface entr e a terra , o mar e o ar) é uma das áreas sob maior estresse ambiental a nível mundial, estando submetida a forte pressão por intensas e diversificadas formas de uso do solo”.

1.1 A Definição de Zona Costeira As dificuldades em se estabelecer critérios para definição da Zona Costeira (ZC) advêm da grande diversidade de ambientes que se encontram dentro desta definição. Além da grande extensão da faixa litorânea brasileira (praticamente todo o limite territorial leste do país encontra-se em fronteira com o mar) este ambiente está em constante alteração e evolução, por fatores naturais ou antrópicos, sejam no ar, no mar ou na terra. Daí a dificuldade de delimitação deste setor em função da dinâmica que nele se encontra. Para a Comissão Interministerial para os Recursos do Mar, a ZC é definida como o “espaço geográfico de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos renováveis ou não, abrangendo uma faixa marítima e outra terrestre” (CIRM, 2001). Para Rodriguez & Windevoxhel (1998), Zona Costeira pode ser definida como o espaço delimitado pela interface entre o oceano e a terra, ou seja, a faixa terrestre que recebe influência marítima e a faixa marítima que recebe influência terrestre. Figura 1: Determinação de Zona Costeira segundo Rodriguez e Windevoxhel. (Extraído de BID, 1998).

A caracterização da ZC brasileira utilizada no Projeto Orla apresenta aspectos mais específicos para delimitação da abrangência desta área, utilizando limites político-administrativos municipais para sua individualização:
“A zona costeira brasileira compreende uma faixa de 8698 km de extensão e largura variável, contemplando um conjunto de ecossistemas contíguos sobre uma área de aproximadamente 388.000 km². Abrange uma parte terrestre, com um conjunto de municípios selecionados segundo critérios específicos, e uma área marinha, que corresponde ao mar territorial brasileiro, com largura de 12 milhas náuticas a partir da linha de costa”. (ORLA/MMA-SPU 2006, pág. 24).
Apesar da grande quantidade de conceitos e definições encontrados sobre ZC, o que mais se aplica ao trabalho aqui proposto é a definição proposta inicialmente pela Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM) em 1997, sendo após consolidada no Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro II (1998) e utilizada no Projeto
Orla I, atualmente em vigor, a saber: “Zona Costeira:
• Na faixa marítima, considera-se todo o mar territorial como inserido na zona costeira, sendo o limite deste determinado pela Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar nas 12 milhas náuticas contadas da linha de base da costa. De acordo com esse documento trata-se da área prioritária para a pesca artesanal;
• Na faixa terrestre, considera-se todo o território dos municípios qualificados como costeiros (segundo o PNGC II). Assim, as fronteiras internas municipais fornecem a delimitação da zona costeira em terra;” (CIRM, 1997; PNGC II, 1998, ORLA/MMA-SPU, 2006, p. 23).

1.2 A Ocupação da Zona Costeira brasileira A tendência de ocupação maciça da ZC no Brasil segue os mesmos moldes da ocupação costeira na América Latina. Dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID apontam que 60% dos 475 milhões de habitantes da América Latina vivem em províncias ou estados costeiros, bem como 60 das 77 maiores cidades são costeiras (LEMAY, 1998). Reflexo das formas de ocupação da ZC na América Latina, a pesca predatória e o turismo são apontados pelo BID como as atividades mais predatórias e mal administradas desde a década de 1970 (LEMAY, 1998). Os processos de ocupação da Zona Costeira (ZC) brasileira tiveram maior impulso a partir da metade do século XX, mas nem por isso deixaram de ser caóticos e predatórios. Segundo Gruber et al (2003), por ser a ZC um dos hábitats mais produtivos e valiosos da terra e, ao mesmo tempo, um setor prioritário para diversas atividades humanas, ele vem suportando grandes modificações e deteriorações através de aterros, dragagens, a poluição causada por indústrias, a ocupação humana e a agricultura. Alguns exemplos podem ser sentidos diretamente na sociedade atual, como o aumento no número de ataques de tubarões a surfistas nas praias do recife. A população local associa a construção do Porto de Recife ao início dos ataques, uma vez que foi dragado o canal e fechada a laguna que dava acesso do mar para o mangue existente na região. Esta evidência pode ser verdade, uma vez que os manguezais são um importante elo na cadeia alimentar dos tubarões. Estes locais são onde os filhotes de tubarão passam boa parte da sua vida, alimentando-se da fauna local. Uma vez barrada essa cadeia, precisam buscar alimento em outros ambientes. Outro exemplo clássico da degradação da ZC no Brasil é a alteração de áreas fundamentais para a dinâmica costeira, como a retirada das dunas frontais, a urbanização e artificialização das orlas. A depredação e venda de recifes de corais como ornamentos para aquários, o cercamento e privatização das praias, principalmente na região nordeste do país vem sendo noticiada com freqüência nos meios de telecomunicação. No estado do Rio Grande do Sul não é diferente. A ocupação da ZC gaúcha esteve restrita ao acesso portuário até o final do Século XIX, conforme a ocupação na maior parte do País. Devido às peculiaridades morfológicas da costa do estado (pouco abrigada da ação das ondas e com uma plataforma continental rasa), a ocupação da zona costeira antes deste período foi mais desenvolvida no extremo sul do estado, devido ao canal da Laguna dos Patos, local onde atualmente encontra-se o Porto de Rio Grande, na Cidade de mesmo nome. Este local chegou a ser capital do estado e centro exportador de charque e teve grande desenvolvimento econômico por volta de 1900 (MAZZINI, 2007). O processo de ocupação da Planície Costeira gaúcha é recente, porém acelerado e focado basicamente na região definida pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental – FEPAM como Litoral Norte. O Litoral Norte do Estado do Rio Grande do Sul se caracteriza pela seqüência de ambientes longitudinais à costa. Após a área de interface com o mar, identifica-se uma planície sedimentar composta por campos de dunas, banhados, cordão de lagoas, campos, áreas úmidas antigas até os limites dos contrafortes do Planalto Meridional, entalhados pelos vales dos rios Três Forquilhas e Maquiné (STROHAECKER & TOLDO JR, 2007). Abrange 21 municípios inseridos na área descrita acima, de Pinhal a Torres. A aceleração da ocupação no litoral norte teve início por volta de 160, com a construção das principais vias de acesso atuais (RS-040, que ligava Porto Alegre e região metropolitana à Cidreira e Balneários vizinhos e BR-116, também conhecida como Freeway, ligando a capital às demais praias do litoral norte). A facilidade de acesso às praias do litoral norte causou uma ocupação desenfreada da Zona Costeira Gaúcha, impactando diretamente na orla marítima. A retirada das dunas frontais, urbanização da orla, construções irregulares, impermeabilização do solo, contaminação dos balneários e lençol freático são alguns dos efeitos deste processo de ocupação.
Na próxima postagem aqui no Top Wings sobre este trabalho, veremos o Capítulo 1.3 - A Orla Marítima do Rio Grande do Sul e os impactos causados pela urbanização, fique ligado.

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito bem compilado Neko. Parabéns
e obrigado

Ingo Kuerten

Neko disse...

OK Ingo, que bom que você gostou. Pretendo ir publicando partes do teu trabalho todas as quintas-feiras aqui no Top Wings. Abraço e boas ondas, Neko.